sábado, 8 de março de 2008

Liverpool Football Club, a intermitente grandeza de um gigante.

"Todas as histórias começam de forma diferente. Por um motivo ou outro, por paixão ou desentendimento, por amor ou ódio, por necessidade comum de muitos ou vontade determinada de um, todos os clubes de futebol surgiram de alguma forma, sempre diferente. E por detrás desse momento, da fundação de um gigante, podemos encontrar quase sempre uma personalidade e um espírito que ficam para sempre na nossa memória."

Este é o primeiro de três posts sobre a história de um clube que é mais do que um tributo á vontade e ao espírito solidário de muitos, é um exemplo fidedigno do percurso e das características do futebol inglês. Este é, ao mesmo tempo, brilhante e terrível, encontra-se repleto de grandes vitórias e de enormes desilusões, alberga o talento de jogadores, treinadores e dirigentes, capazes do melhor e do pior, tal como os fãs e adeptos, que marcaram épocas e formas de ver o desporto em terras de Sua Majestade. Esta é a história do Liverpool Football Club.

Março de 1892, A Fundação.

Se no Benfica existiu Cosme Damião, em Barcelona Joan Gamper, o Liverpool teve em John Holding (uma figura controversa, homem de negócios, futuro deputado do Partido Conservador e Mayor da cidade) o seu líder fundador.

John Holding, que era o proprietário do terreno onde o Everton jogava, Anfield Road, abandona os 'toffees' em ruptura com a direcção que presidia desde 1882. No dia 15 desse mês, ele e 19 outros sócios do clube que se tinha mudado para Goodison Park, formam o Liverpool Football Club. Após uma tentativa inicial (falhada) de roubar ao nome do rival, o conjunto recém-formado abandona o azul e adopta o vermelho da cidade como cor a 1894 e insere o liverbird, ave mitológica, no seu emblema no ano de 1901.

Começou assim a história de um dos maiores clubes do mundo, o maior de Inglaterra, que na sua primeira equipa não tinha um único inglês e que deve a John McKenna (um irlandês) o facto de no verão de 1893 ter entrado na Football League. Antes dessa entrada decisiva (i.e. durante a época de 1892/93) os 'reds' apenas puderam participar na Taça de Liverpool e na Liga do Lancashire, vencendo ambas.

O primeiro título no principal Campeonato surge a 1901, com o clube a ser liderado por Tom Watson, outra figura fundamental nas primeiras décadas deste. Até ao fim da década de 50, o emblema de Merseyside teve como grandes referências o guarda-redes Elisha Scott e o atacante Billy Liddell, que foi contratado por sugestão de um tal de Matt Busby, então capitão de equipa e futuro treinador do Manchester United, formando uma formidável geração de jogadores e levando-os á conquista da Taça do Clubes Campeões da UEFA, naquele que foi o primeiro título europeu de um clube inglês.

Nesta primeira fase, o clube angariou fãs e troféus, rapidamente ultrapassando em popularidade o seu rival de sempre Everton FC. Mesmo assim, o seu apogeu ainda estava para vir, com a chegada ao clube, em 1957, de um homem que revolucionaria o futebol de Anfield e que o colocaria no topo da nação futebolística, preparando-o para o ataque á Europa. Esse homem era Bill Shankly.

1957 - 1965, Desenvolvimento.

Bill Shankly chegou ao Liverpool em 1959. Homem de filosofia simples e convicções fortes, a sua acção revolucionou todo o clube, forçando uma melhoria nas condições de treinos, fazendo os jogadores viajarem sempre juntos, minimizando as lesões e controlando a sua condição física e alimentação, enquanto remodelava a equipa principal, submetendo-a ao seu método.

Este podia resumir-se a uma forma nova de abordar o comportamento da equipa, exigindo desta uma enorme entreajuda e colaboração, praticando depois um futebol prático, apoiado, de passe e corrida, com um jogador a proteger o outro atacando todos o mesmo objectivo. Assim, quando um membro da equipa estava a jogar mal, Shankly mantinha-o a jogar até que os colegas o ajudassem. Aquilo que o treinador definia como "ética socialista" era algo perceptível para o público de Anfield Road, que se revia neste estilo, liderança e atitude.

Os resultados não tardaram a chegar. Em duas temporadas, o clube regressa á Primeira Divisão, conquistando-a ao rival Everton em 1964. Em 1965 os 'reds' vencem a sua primeira Taça de Inglaterra e em 1966, com apenas 14 jogadores, voltam a ser campeões. O país era vermelho, a beatlemania ajudava e o clube estava em crescendo. Mais do que as vitórias, com Shankly o que mudava era a mentalidade e a atitude com que se abordava o jogo e o confronto com os adversários.

Certo dia, o treinador mandou colocar uma placa no acesso ao campo onde se lia "Aqui é Anfield". Questionado sobre o porquê deste acto, a resposta surge, incisiva: "Quero recordar aos nossos por quem estão a jogar e aos outros quem vão enfrentar. O fogo nas nossas entranhas vem do orgulho e da paixão de vestir a camisola vermelha. O estatuto de jogador do Liverpool mantém-nos motivados.".

Afirmações destas reforçam o espírito vencedor que o escocês quer implementar. Ele trata de o resumir da seguinte forma: "Muito do sucesso no futebol está na cabeça. Temos de acreditar que somos os melhores e depois asseguramo-nos de que o somos. Temos as duas melhores equipas do Merseyside, o Liverpool e os Reservas do Liverpool.".

Jogadores como Tommy Smith, "The Anfield Iron", que veio dos juvenis até aos seniores, jogando pelos últimos 637 vezes, dão corpo a este sentimento, a esta dedicação e ao esforço que era pedido, em prol do clube e do colectivo.

No entanto, mais do que o carácter ou conhecimentos de futebol, a grande dádiva deste treinador ao clube inglês foi a criação de uma pequena sala, um cérebro, um espaço onde se guardavam os equipamentos e onde só os escolhidos entravam, a bootroom. Esta surge aquando da remodelação que Bill Shankly faz quando chega ao clube e representa um esforço no sentido de aproveitar a sabedoria existente no corpo técnico do Liverpool. Na bootroom falava-se de futebol, respirava-se o desporto em todos os seus aspectos, num ambiente selecto que assegurava a transição de uma cultura de jogo, de um conjunto de princípios que assim se perpetuavam. Durante 30 anos seria aqui que o treinador sénior seria escolhido.

E foi assim que, durante as duas décadas seguintes, o Liverpool conquistou praticamente todos os grandes títulos. As décadas de 70 e 80 seriam as décadas de todas as conquistas... O júbilo que antecederia o desastre...

(Fim da primeira parte)

14 comentários:

Bernardo Rosmaninho disse...

- Aproveito para acrescentar que a primeira imagem é a do primeiro emblema do clube.
- A segunda imagem é de Bill Shankly a festejar em Wembley a primeira Taça de Inglaterra do clube.
- A terceira imagem é a do 'sign' referido no texto que ainda existe no estádio.
- E a quarta foto é de uma vista de Anfield Road, quando se remodelou, no fim da década de 80.

Não foi mesmo nada fácil mas estão cá todas, carreguem nelas, como de costume, para as verem no tamanho real.

Abraço.

João Tudela disse...

Parabéns Bernardo. Sabendo que o Liverpool é das ou talvez mesmo a tua equipa favorita no estrangeiro sei que este post (e a continuação que surgirá) te deu um enorme prazer a fazer.
Também eu, após ler um pouco mais sobre Bill Shankly e o Liverpool em outros livros fiquei um bocado "fã" do clube em si mas não da equipa, como provarei no meu próximo post.
De qualquer forma estou ansioso para ler essa continuação, que certamente contará com as glórias de Kevin Keegan e Souness, até ao fim da "bootroom", terminando com a situação criada por Houllier e Benitez.
A ti, um grande abraço!

Anónimo disse...

Go Bernas! Introdução do clube muito bem feita. Porque é que não criam algo para os clubes e competições? Não sabia que os reds já tinham descido de divisão. Um abraço

Anónimo disse...

Já agora que tens planeado para os outros dois posts? Esqueci-me de te perguntar se a intro inicial é tua (andaste inspirado outra vez?) ou se tem autor.

"Todas as histórias começam de forma diferente. Por um motivo ou outro, por paixão ou desentendimento, por amor ou ódio, por necessidade comum de muitos ou vontade determinada de um, todos os clubes de futebol surgiram de alguma forma, sempre diferente. E por detrás desse momento, da fundação de um gigante, podemos encontrar quase sempre uma personalidade e um espírito que ficam para sempre na nossa memória."

Anónimo disse...

Comentei agora no teu blogue e queria vir aqui comentar também só para dizer-te que não sou grande fã do Liverpool. Gosto mais do Manchester (o cristiano também ajuda :p lol) ;)

Agora a sério é pena que eles não ganhem a Liga há muito tempo. O Man.U e L'pool são os dois "grandes do povo" em Inglaterra (acho eu) e o "teu" clube apesar de todo o dinheiro e equipa continua a não conseguir ser regular na Liga. Empatam e perdem imenso para uma equipa que é candidata.

Um beijinho e porta-te bem

PS: Tive que estudar para este comment portanto é bom que respondas ;) Ah!, e gostei mt do texto antes do teu vou voltar cá, ok? Não mandes mais mails a publicitar o site... :p

Anónimo disse...

Eu também recebi mail a publicitar o site... E ainda bem! Vocês fizeram um grande trabalho. Continuem por ai.

Bom texto Bernas, não encontraste uma imagem mais antiga de A.Road? E já agora aonde é que desencantaste o logo original?

Bem pensado o título do post. Fico á espera da continuação... Abraço

Bernardo Rosmaninho disse...

Para responder a todos vou separar-vos e abordar as questões uma a uma.

- Paulo, não vou contar do próximos dois posts mas serão mais emocionantes... Este foi, a meu ver, o mais difícil de escrever porque estava cansado e porque pede por uma gestão de espaço e de conteúdos muito grande. Tive que tentar não deixar-me levar muito...

- A introdução É MINHA e sim talvez tivesse inspirado. São muito poucos os clubes em Inglaterra que nunca desceram de divisão. Vou ver quais.

- Quanto á parte das rúbricas, isso terá que ser discutido em grupo, mas prometo dizer algo no futuro sobre o assunto (eu ou o J.Tudela ou outro autor).

Um abraço e obrigado pelo comment.

Bernardo Rosmaninho disse...

Joana, o Liverpool é uma equipa muito inconstante. Essa característica pode passar despercebida quando estamos numa competição como a Champions, mas na Premiership, em que a regularidade é LEI e perder um jogo pode significar perder um campeonato, os "reds" deixam imenso a desejar, sobretudo se observarmos o plantel que possuem... Portanto tens toda a razão.

No Manchester o factor "Alex Ferguson" é determinante, mas mais ainda são as condições e os atletas que o clube possui. Existe uma rotina muito bem enraizada em Old Trafford e o Liverpool deixou de ter esse tipo de postura por volta de 1991, quando aboliu a bootroom.

Faz este ano 18 anos desde o último campeonato "red" (90/91) e os jogadores, dirigentes e sucessivas equipas técnicas só se podem culpar a si próprios por não fazerem melhores exibições.

Não vou comentar a parte do Cristiano ;) Mas o rapaz joga bem...

Obrigado pelo comment.

Bernardo Rosmaninho disse...

Pedro Rocha, como disse no primeiro comment as imagens foram obtidas "Deus sabe como" e tiveram todas que ser violentamente tratadas no Photoshop... Esta era a imagem do estádio que eu queria mas sinceramente, quando procurei por uma gravura do Anfield Road inicial, devo dizer-te que não consegui encontrar. E procurei exaustivamente...

Abraço e obrigado pelo comment.

PS: beijinho para a Joana e desculpem-me por "ocupar" a caixa dos comments com respostas minhas, mas era a única maneira de responder a tudo. são 2:30 da manhã e eu estou muito cansado...

Anónimo disse...

Bom começo. O L'pool nos seu inicio nao dominou tanto como o Arsenal ou o Manchester United mas no entanto tem uma história muito bonita de se acompanhar.

Abraço. Fiquem bem.

Anónimo disse...

Porque não fizeste nada sobre o Manchester ou sobre o Arsenal ou o Chelsea? Vais fazer alguma coisa sobre eles? Bom post, não conhecia este blog mas vou cá voltar. Parabéns pelo bom trabalho.

Anónimo disse...

Já tiveram spam com o AKINOL! O post tá bonzinho mas eu acho que podias falar mais da rivalidade entre o Liverpool e o Everton.

Anónimo disse...

Podiam ter esperado mais um pouco antes de voltarem a postar, o teu post tava mt bom, podia ter ficado em 1o plano bem mais um pouco. Bom post rapaz. Quero ver se continuas a série.

Bernardo Rosmaninho disse...

Ainda não sei se vou fazer algo sobre outros clubes, mas já falei com os autores no sentido de reunirmos estes textos numa rubrica de clubes e competições que preserve estes posts.

Obrigado pelos comments. Abraço a todos.